Guarda compartilhada é regra em separação dos pais
Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a guarda compartilhada deve prevalecer mesmo que haja briga dos pais, por entender que o importante é o bem-estar da criança. E o entendimento serve de orientação para a primeira instância da justiça brasileira.
Para que se entenda melhor a decisão, necessário explicar que guarda compartilhada é uma modalidade de guarda do filho que compreende responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
No entender da ministra Nancy Andrighi, relatora do processo no STJ, somente é possível afastar a guarda compartilhada em caso de inaptidão para o exercício da guarda por parte de um dos pais. A juíza Saskia Elisabeth Schwanz, da 1ª Vara de Família da Capital, conta que antes havia somente a guarda unilateral, em que um dos pais (geralmente a mãe) tem a guarda com exclusividade do filho, e o outro (geralmente o pai) apenas visitava o filho aos finais de semana, sem influenciar nas decisões importantes, como educação, saúde, e sem conviver com questões do cotidiano da criança.
“No dia a dia das audiências das varas de família percebe-se que ainda há muitas dúvidas dos pais, quanto a seus direitos e deveres, enfim, em como aplicar o instituto da guarda compartilhada. O direito brasileiro atualmente prevê apenas guarda unilateral e compartilhada. Mas ainda é muito comum confundir a forma compartilhada com a guarda alternada - quando os pais fazem revezamento, ora um deles exercendo a guarda exclusiva por determinado período de tempo, ora o outro”, esclareceu.
Na alternada, por exemplo, em uma semana o pai exerce com exclusividade a guarda, tendo o filho em sua residência, levando e buscando na escola, no médico, auxiliando nos afazeres diários. Na outra semana, a mãe exerce com exclusividade, alterando a criança frequentemente de residência.
“Essa modalidade de guarda alternada, além de não encontrar previsão na legislação brasileira, não é recomendada, porque a criança acaba mudando de casa constantemente, dificultando o apego, perdendo a referência, podendo gerar perplexidade na criança, muitas vezes trazendo mal estar, perturbação, e provável prejuízo no desenvolvimento emocional”, completou a juíza.
Na guarda compartilhada, que agora é regra, a responsabilização é conjunta dos pais, pois dividem as tarefas do dia a dia, respeitados os horários de trabalho de cada um, os horários da escola e atividades extracurriculares do filho. Isso pode ser definido em audiência e, em casos mais complexos, se necessário, com auxílio de equipe interdisciplinar, visando à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (§3º do artigo 1.584).
“O filho acaba se valendo da atenção e conselhos de ambos os pais, não apenas nos finais de semana de lazer, como costumeiramente se dá na guarda unilateral, mas também nas tarefas do dia a dia. A ideia é manter pai e mãe inseridos no cotidiano do filhos, zelando por sua formação, além de manter os laços de afetividade, visando abrandar o máximo possível os efeitos que o término da união conjugal pode acarretar”.
A juíza ressalta que com a guarda compartilhada busca-se fazer com que os pais, apesar de viverem em casas diferentes, continuem sendo responsáveis e participativos no cotidiano do filho. Afinal, o fim da sociedade conjugal ocorreu entre os pais e não entre cada um deles e o filho.
Entendendo – A decisão do STJ serve como referência para todos os casos, mas isso significa que o juiz deve obrigatoriamente adotar a guarda compartilhada? De acordo com Saskia, a própria sociedade gerou a mudança.
Antes, o marido trabalhava para prover o sustento do lar e a esposa cuidava dos afazeres domésticos e dos filhos. Em caso de separação, a mulher - que sempre cuidou diretamente da rotina dos filhos, ficava com a guarda unilateral. Atualmente, cada vez mais, as mães também estão inseridas no mercado de trabalho e os pais desempenham papéis nas tarefas caseiras - ambos trabalham fora e em casa, e estão inseridos ativamente nos diferentes aspectos da vida dos filhos.
“Com a introdução da guarda compartilhada no Código Civil (pela Lei nº 11.698/2008), a previsão era que fosse aplicada "sempre que possível" (artigo 1.584, §2º). Mas com a Lei nº 13.058/2014 houve modificação no Código e a guarda compartilhada passou a ser regra. Agora está previsto que a guarda compartilhada "será aplicada", ainda que não haja acordo entre os pais, salvo se um deles declarar que não deseja a guarda do filho ou se comprovado que não se está apto a exercer o poder familiar”.
A juíza lembrou ainda que a ministra Nancy Andrighi, na condição de Corregedora Nacional de Justiça, editou a Recomendação nº 25, em 22/08/2016, orientando aos juízes que atuam nas Varas de Família que, nas ações de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou medida cautelar, ao decidir sobre guarda dos filhos, quando não houver acordo entre os ascendentes, considerem a guarda compartilhada como regra.
Se divergências entre os pais não podem privar o filho da convivência com os dois, até que ponto isso atingirá a criança? Saskia observa no dia a dia da prática forense ser muito comum os pais, pelas mágoas da separação, usarem os filhos para atingir um ao outro. Contudo, aponta ela, a criança não quer fazer parte desse conflito, não quer saber se foi o pai ou a mãe que errou.
“O bem estar da criança deve vir em primeiro lugar e manter o clima de briga não resolve, até porque, se resolvesse, o casal provavelmente ainda estaria junto. Além de não resolver, o grande prejudicado sempre acaba sendo o filho, que se sente mal em perceber que as duas pessoas mais importantes de sua vida não se relacionam bem. A criança não tem culpa da separação dos pais, ela deseja apenas amar incondicionalmente cada um deles e manter ambos presentes em sua vida”, completa.
Na 1ª Vara de Família de Campo Grande, onde atua, a juíza percebeu que quando um casal vai discutir a guarda dos filhos é comum o pedido de guarda compartilhada, embora muitos ainda prefiram adotar a tradicional guarda unilateral, abrindo mão de exercer a guarda do filho, o que a lei de fato lhes faculta.
“Cada vez mais vislumbra-se um aumento da procura pela guarda compartilhada e tem-se percebido desconhecimento e insegurança dos pais em como aplicar o instituto. Muitos pleitearem guarda compartilhada acreditando que, com isso, não necessitam mais pagar pensão alimentícia ou que passam a ter direito de simplesmente exigir ver o filho neste ou naquele dia, ou de impor às suas vontades, sem necessidade de combinações prévias entre genitores”.
Necessário lembrar que a guarda compartilhada significa responsabilização conjunta e é o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe. Quando bem compreendida e aplicada com bom senso e moderação, relevando o bem-estar da criança, é razoável e salutar para o filho.
“Não temos números estatísticos precisos, mas pode-se dizer que aproximadamente a metade dos processos com pedido de guarda distribuídos na vara de família que titularizo, as partes ainda optam pela tradicional guarda unilateral, a ser exercida por um dos genitores (geralmente a mãe), com direito de visitas ao outro, em finais de semana alternados. A outra metade dos processos com pedido de guarda contém pedidos de guarda compartilhada, onde logo de início procura-se designar audiência, visando ao diálogo com as partes, explicando da importância da presença ativa de ambos na vida do filho e, em seguida, convencionando em conjunto a residência principal, bem como, de que forma cada genitor atuará no dia a dia do filho, e quem pagará qual despesa”.
A juíza Conta ainda que no início percebe-se certa resistência dos pais com essa modalidade de guarda, seja porque confundem com a guarda alternada, seja porque em razão das brigas cada qual insiste na guarda unilateral porque quer "vencer" a briga; ou ainda porque não a compreendem e temem o novo.
“Todavia, após muito diálogo em audiência, acabam compreendendo que o foco deve estar no bem estar do filho, que se desenvolverá de forma mais salutar se assegurado o direito ao convívio com ambos em sua rotina, e o índice de acordos no sentido da guarda compartilhada, acaba sendo superior a 90%. Ainda que os pais eventualmente não tenham bom relacionamento, se ambos desejam a guarda, a compartilhada passa a ser regra”.