Juízas contam como é judicar no interior
No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a AMAMSUL quer mostrar histórias de vida de mulheres que dignificam a toga.
Titular da 2ª Vara Cível da comarca de Coxim, Helena Alice Machado Coelho ingressou na magistratura em 2004. Depois de uma breve passagem na magistratura mato-grossense, retornou a Mato Grosso do Sul onde, aprovada em concurso, ela integrou uma turma de sete aprovados, dos quais apenas duas mulheres, ambas muito jovens.
“Na época, os cargos na magistratura eram ocupados por apenas 25% de mulheres. Hoje a proporção é maior. Ser juíza, acredito que em qualquer lugar, é exercer, além de uma profissão, um sacerdócio. Ficamos longe de nossa família e nosso convívio social é limitado. No meu caso, longe do marido, que trabalha em um grande hospital em Campo Grande e não pode me acompanhar”, conta.
Atualmente na 2ª Vara Cível de Três Lagoas, Emirene Moreira de Souza Alves relata que quando assumiu a magistratura tinha consciência das suas responsabilidades e que o exercício da judicatura exigiria grande dedicação e privações, tudo com o objetivo de promover a pacificação social, estendendo a mão àquele que necessita, já que, o juiz ao prolatar uma sentença, interfere na realidade social em que atua.
“Com a maturidade prática de mais de uma década de serviços prestados à sociedade, posso dizer que a batalha tem sido árdua, mas extremamente gratificante. Sinto uma alegria imensurável por fazer parte da magistratura, de poder exercer esse cargo tão digno e, principalmente, por ter a oportunidade de conferir às pessoas o que é seu de direito, sempre consciente da grande responsabilidade que me acompanha”, disse ela.
Com tantas responsabilidades, como seria judicar em comarca do interior, onde não existem todas as facilidades da Capital? Quais as maiores dificuldades? Como a comunidade vê uma mulher na magistratura?
Para Helena, a maior dificuldade é a distância da família. Ela relata que a sociedade vê com bons olhos a figura de uma juíza, embora algumas pessoas ainda demonstrem surpresa ao entrar na sala de audiências e não encontrar um homem como juiz.
“Não me recordo de ameaças ou desacato sofridos em razão do gênero, mas o preconceito existe e é velado. Os advogados, principalmente os mais velhos, têm certa resistência em ver uma juíza presidindo uma audiência, um júri. Costumo dizer que, a todo momento, precisamos provar nossa capacidade e competência. Mas as pessoas em geral nos admiram”.
No exercício da judicatura, Emirene nunca foi desacatada ou ameaçada por qualquer razão pelo fato de ser mulher. Contudo, a juíza reconhece o fato de que em um passado, não muito distante, as mulheres sofriam graves restrições/limitações em seus direitos fundamentais e, isso, apesar dos avanços das últimas décadas, ainda reflete no contexto social atual.
“Já experimentei e ainda experimento certa intolerância ou mesmo relutância de pessoas quanto ao simples fato de se depararem com uma mulher presidindo audiência. Acreditem! Já me deparei com vozes alteradas, risos sarcásticos e porta fechada com mais veemência e, em vista disso, por vezes, tive que ser mais incisiva para fazer manter a ordem, mais até do que gostaria, entretanto, o necessário e o prudente para corresponder o munus público a mim conferido pelo Estado”.
Emirene confessa saber que discriminações dessa natureza também são enfrentadas por colegas e outras pessoas no exercício de outras profissões ou seguimentos, pelo simples fato de serem do gênero feminino.
“Apesar de consciente dos meandros que envolvem tal questão, tenho que muito dos avanços que ainda, enquanto mulheres, teremos que alcançar, dependerá da nossa própria postura frente aos obstáculos sociais e culturais que o passado ainda, por vezes, nos impõe, demonstrando que, capacidade, competência e responsabilidade, em qualquer cargo ou função que uma pessoa ocupe, transcende qualquer fator ou circunstância de caráter biológico”.
Quando ingressou na magistratura, aos 25 anos, Helena tinha muitos sonhos e a maioria deles foi realizada. Um, em especial, que é poder servir ao próximo, como verdadeiro instrumento de pacificação social. O que ela diria então para as mulheres que desejam ingressar na magistratura?
“Diria às mulheres que querem ingressar na magistratura que o façam somente se muito vocacionadas. O excesso de trabalho é incrível, temos pouco tempo para a família, para os filhos. Mas, ainda assim, não me vejo fazendo outra coisa. Sou muito feliz e realizada”, conclui.
Desde que assumiu a magistratura, Emirene sempre atuou como titular nas comarcas do interior e acredita que em eventuais discriminações de gênero não há diferença entre o interior e a Capital porque a questão é histórico-social-cultural, em cenário mundial.
“A questão do gênero não trouxe a mim apenas experiências entristecedoras, pelo contrário, muitos foram os casos em que me senti afagada, literalmente. Exemplos que vão de ternos abraços ao fim de difíceis e intermináveis tentativas positivas de acordos entre as partes, as quais viam em mim, mulher, uma correspondência de fraternidade e sensibilidade do estereótipo feminino que é incutido, até agradecimentos entusiasmados de pais, mães, filhos e avós satisfeitos com o provimento buscado. Nesses exemplos, sempre percebi que a minha figura feminina, para eles, parecia ter sido o diferencial”, finalizou.