Magistrada já sofreu preconceito por ser mulher
No mês em que se comemoram as conquistas femininas em todo o mundo, a AMAMSUL continua com a série de entrevistas em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Esta semana quem vai contar um pouco sobre como é ser mulher na magistratura, campo predominantemente masculino, é a Desa Maria Isabel de Matos Rocha.
Natural de Nanpula (Moçambique), Maria Isabel formou-se em Direito na Universidade de Coimbra (Portugal) em outubro de 1978 e ingressou na magistratura sul-mato-grossense em maio de 1985. Atuou nas comarcas de Camapuã (primeira entrância) e Cassilândia (segunda entrância).
Em agosto de 1995 veio para a Capital e assumiu a 1ª Vara da Infância e da Juventude e depois judicou na 3ª Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos. No dia 31 de outubro de 2012 foi empossada no cargo de desembargadora.
Será que ela já sofreu preconceito por ser magistrada? “Lembro que já em Campo Grande, dei um despacho e o advogado questionou por escrito, em termos muito ofensivos. Pensei em representar à OAB mas, a gente quando vítima, é muito fácil virar ré, sobretudo quando é mulher”, lembra.
Maria Isabel conta que o advogado na manifestação referiu-se ao fato de ela ser mulher. “Desculpe-me a expressão, mas foi algo parecido com "mal-amada", porque meu despacho teria atingido o cliente dele, determinando alguma coisa. Era um processo cível, não tinha nada a ver com mulher. Uma penhora de bens de homem devedor de alimentos e ele veio com essa conversa que, aliás, eu estou dizendo de uma maneira mais elegante, porque foi muito pior, muito grosseiro”.
Na época, ela recebeu apoio de um colega, o então juiz Jorge Estácio da Silva Frias. “Achei interessante que, naquele momento, fizemos uma coisa inédita. Éramos dois juízes no juizado da Moreninhas e o dr. Frias, que já se aposentou, fez questão de, no despacho seguinte, assinar também. Assim, o documento foi assinado por mim e por ele, que se solidarizou com aquela coisa absurda”.
Ela relata que o despacho assinado pelos dois foi técnico, não entrando na via que o advogado tentava impor no processo, mas explicando que a decisão anterior tinha sido plenamente técnica, sem considerações de gênero.
“Senti-me confortada porque a vítima fica fragilizada e eu era a vítima naquele momento. Não deveria ser necessário o dr. Frias fazer aquilo, mas achei boa a iniciativa dele. Lembro disso até hoje porque magoa muito você estar no exercicio da sua função, puramente técnica, ponderando, com calma, e de repente...”, rememorou.
A desembargadora comentou ainda que a manifestação do advogado no processo citado visava menosprezar a cliente da outra parte, a pessoa que estava pedindo alimentos, então usou termos pejorativos também com a pessoa que pedia alimentos, que é uma mulher. Ela defende que foi preconceito com as duas.
“Escreveu que a mulher tinha que trabalhar e não ficar pedindo alimentos, e umas coisas injuriosas. No despacho, determinei que as coisas injuriosas fossem riscadas. Ele poderia até dizer que a parte não estava certa do ponto de vista jurídico, mas não tinha que colocar ofensas na petição. Quando mandei riscar as coisas ofensivas, ele veio com a resposta que eu era mal amada. Parecia que a gente estava na idade da pedra".
No Tribunal de Justiça, segundo Maria Isabel, há diálogo porque são decisões colegiadas. “Algumas vezes me senti um pouco incomodada porque estava decidindo em discordância com os demais por algum aspecto relacionado à mulher. Mas não diria que é preconceito, talvez uma visão deles da qual eu não comungo”, ponderou.
Ao concluir, ela citou uma certeza: o olhar para os processos das mulheres ainda não é tão igualitário. “Entendendo o lado delas, tento minimizar o sofrimento pelo qual a mulher passa e, por consequência, todo voto que traga à luz esse sofrimento gera mais resistência de alguns. Acho que é cultural”.
O que dizer a essas mulheres que ainda sofrem violência? “Eu diria para terem coragem, muita calma e saber o que vão enfrentar. É preciso ter bom senso no que vai fazer, mas não se conformar e aceitar piadinhas fora de contexto. Não ter vergonha de ser vítima. Sempre que uma mulher se expõe, muitas se beneficiam disso porque acaba a solidão de quem é vitima, desperta a solidariedade das outras e até a iniciativa e a coragem de denunciar”.