Juiz avalia lei que obriga agressor a ressarcir por violência doméstica
O presidente da República sancionou projeto de lei que insere três parágrafos no 9º artigo da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), considerada uma das mais avançadas do mundo quando se fala em violência contra a mulher.
Assim, no dia 17 de setembro, o Diário Oficial da União trouxe a Lei nº 13.871, que dispõe sobre a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizados.
Uma das deputadas federais autoras da legislação, afirmou que o projeto foi motivado pelo aumento de casos de feminicídio em seu estado e por acreditar que, se doer no bolso, o agressor pode pensar antes de agir. Um professor de Direito Penal apontou que a nova norma é um exemplo de como a Lei Maria da Penha é próspera em aumentar o aparato legal de medidas protetivas para as mulheres.
A nova lei tem 45 dias de vacância para entrar em vigor, mas os operadores do direito já começam a avaliar sua utilização e eficácia. Para o juiz Francisco Soliman, da 1ª Vara Cível e Criminal de Costa Rica, que julga diariamente ações envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, a nova lei representa mais um reforço para a prevenção e a repressão de condutas agressivas no contexto da violência de gênero, embora existam inúmeros desafios para sua efetividade prática.
No entender do juiz, a Lei Maria da Penha representou grande evolução normativa para a proteção dos direitos à integridade física, psíquica, moral, sexual e patrimonial das mulheres, muitas vezes violados em ambiente doméstico ou no âmbito das relações íntimas de afeto, sob a perniciosa concepção histórica de prevalência do gênero masculino em detrimento à condição feminina.
“Desde a vigência da Lei Maria da Penha, inúmeras denúncias aportaram às Delegacias de Polícia e às Promotorias de Justiça, ensejando processos judiciais. Esse cenário permite duas conclusões: a primeira são os alarmantes números de casos envolvendo violência contra a mulher, como demonstram os dados estatísticos; e a segunda, que esses mesmos dados indicam que as mulheres agredidas passaram a ter voz e amparo legal, pois elas próprias ou pessoas próximas, passaram a ter um instrumento para denunciar e pleitear medidas de proteção contra o agressor e de resguardo a todos os seus direitos, o que antes não ocorria”.
Sobre a Lei nº 13.871/19, que entra em vigor nos primeiros dias de novembro, o juiz explicou que a norma segue a tendência de compelir o agressor à restituição integral dos danos. “Sejam aqueles ocasionados à mulher, sejam aqueles causados aos cofres públicos, haja vista que o tratamento da vítima muitas vezes impõe a utilização dos escassos recursos do sistema de saúde pública”.
O juiz ressaltou ainda que o ressarcimento feito pelo agressor não importará ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes e nem servirá como atenuante ou substituição da pena aplicada, e os recursos recolhidos serão destinados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
A inovação legislativa, afirma Soliman, representa mais um avanço na prevenção e repressão da violência contra a mulher, porém, sem prejuízo de seu efeito simbólico, são grandiosos os desafios para a implementação prática.
“Não há, por enquanto, definição de como serão apurados esses prejuízos, do procedimento a ser observado para a condenação e cobrança do agressor, do órgão legitimado para promover a ação, entre outras questões de ordem prática. Essas situações precisam ser bem arquitetadas para que a obrigação definida na lei não se torne apenas retórica”.
Entenda - A Lei Maria da Penha prevê que, ao noticiar as agressões, a mulher vítima passa a ter uma proteção especial, com atuação das polícias (militar e civil), do Ministério Público e da Defensoria Pública, visando esclarecer a situação narrada, assegurar os seus direitos (pessoais e patrimoniais) e, se for o caso, punir o agressor.
Em alguns casos, a ação penal somente existe se a vítima assim desejar, porém, a depender do crime praticado, o processo judicial segue independentemente da vontade da vítima. Na prática, muitas mulheres se reconciliam com os agressores, contudo, isso não impede de que a ação penal tenha seu desfecho, inclusive com punição daquele que cometeu o crime.
A Lei Maria da Penha, tanto pela interpretação judicial quanto pelas reformas legislativas, vem se aperfeiçoando constantemente. Atualmente, nos processos criminais, quando o agressor é condenado, além da pena imposta, o juiz deve fixar o valor mínimo de reparação dos danos causados à mulher, inclusive morais.
A obrigação de definir o valor mínimo dos danos na sentença penal condenatória tem previsão no Código de Processo Penal desde 2011, contudo, em se tratando de crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, a definição desses danos é mais ampla, pois inclui a lesão extrapatrimonial, ou seja, aquela que afeta os direitos da personalidade da mulher, conforme posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Leia a íntegra na Lei nº 13.871, de 17 de setembro de 2019.
Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizados.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Artigo único. O art. 9º da lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:
“Art. 9º ..................................................................................................................
§ 4º - Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
§ 5º - Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.
§ 6º - O ressarcimento de que tratam os §§ 4º e 5º deste artigo não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada.