ECA completa 30 anos em defesa de crianças e adolescentes
Nesta segunda-feira (13), o Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA, completa 30 anos. Constituída no dia 13 de julho de 1990, a Lei nº 8.069/1990 tornou-se um marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil.
O ECA surgiu para garantir a proteção efetiva de crianças e adolescentes brasileiros sob os cuidados de uma legislação específica e pelo ECA é considerada criança a pessoa com idade inferior a 12 anos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos.
Não se pode esquecer que, ao longo dessas três décadas, muitos aprimoramentos e alterações foram incorporados à legislação brasileira e aqui vale citar a Lei da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), que implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância, e a Lei nº 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
Dividido em dois livros, o estatuto trata da proteção dos direitos fundamentais à pessoa em desenvolvimento e também dos órgãos e procedimentos protetivos, como os de adoção, a aplicação de medidas socioeducativas do Conselho Tutelar e também os crimes cometidos contra crianças e adolescentes.
O juiz Eduardo Siravegna, presidente da AMAMSUL, lembra que o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente há 30 anos revolucionou a legislação brasileira nesta área.
“Os avanços trazidos pelo ECA, assim como as alterações promovidas durante todos estes anos, permitiram dar maior efetividade na proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Esta data deve ser celebrada, entretanto, muito ainda há por fazer para que, de fato, possamos dizer que o Brasil garante integral proteção às nossas crianças e adolescentes”, afirmou Siravegna.
Para a Desa Elizabete Anache, que responde pela Coordenadoria da Infância e da Juventude de MS, a data é extremamente significativa para ressaltar a necessidade da implementação da lei que defende os direitos de crianças e adolescentes de maneira avançada que infelizmente ainda não é integralmente cumprida no Brasil.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente é um marco na proteção da infância e reforça a ideia de que criança tem prioridade absoluta. A própria Carta Magna determina prioridade absoluta na proteção da infância e na garantia de seus direitos por parte da família, do Estado e de toda a sociedade”, disse ela.
No entender da magistrada, que já respondeu pelos processos da área da infância em primeiro grau por muitos anos, antes de comandar a CIJ, a desigualdade ainda é o maior desafio, em especial nas áreas da educação e saúde, que são direitos fundamentais aviltados para a maior parte da população infanto-juvenil.
Elizabete acredita que a mudança desse panorama depende da formulação e implementação de políticas públicas que o próprio ECA prevê, com o sentido de conferir às crianças e aos adolescentes a prioridade absoluta exigida pela Constituição, ou seja, não é necessário criar novas leis, basta cumprir o Estatuto.
“Um dos aspectos que o Poder Público deveria se preocupar é a criação de Núcleos de Atendimento Integrado, conforme prevê o ECA, a fim de que o atendimento de crianças e adolescentes que necessitem de medidas de proteção seja mais ágil, com a centralização dos serviços públicos em um único local”, completou.
Questionada sobre o entendimento de muitos magistrados contra a redução da maioridade penal, como forma de reduzir o número de crimes cometidos por adolescentes, ser uma medida que se afasta do âmago do problema, servindo de "camuflagem", a coordenadora da CIJ lembrou que existem vários estudos demonstrando que as medidas socioeducativas previstas no ECA, quando bem aplicadas, são eficazes e evitam que o adolescente em conflito com a lei se envolva em novos atos infracionais e torne-se mais um adulto na massa carcerária do país.
Para o juiz Evandro Endo, da comarca de Itaporã, os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente devem ser comemorados principalmente em razão de o ECA não ter se tornado “letra morta”, tratando-se de diploma normativo que vem se adaptando com o passar do tempo como, por exemplo, as alterações legislativas recentes que visaram à proteção integral dos menores de 18 anos.
Evandro citou a Lei nº 13.046/2014, que visou à capacitação de pessoal na detecção e combate de maus-tratos; Lei nº 13.257/2016, que dispôs sobre políticas públicas para a primeira infância; Lei nº 13.509/2017, que atualizou os procedimentos de adoção; Lei nº 13.798/2019, que instituiu a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência.
“Imprescindível pontuar que, de maneira pioneira, o TJMS criou a Coordenadoria das Varas de Execução de Medidas Socioeducativas (COVEMS/GMF), seguindo a prática de sucesso da Coordenadoria das Varas de Execução Penal (COVEP/GMF), buscando garantir de forma eficaz e contínua o desempenho de suas atividades de fiscalização e monitoramento, notadamente aquelas que dizem respeito à produção de informações e dados sobre o sistema de justiça juvenil”, mencionou.
Para o juiz de Itaporã, tal iniciativa do TJMS permitirá melhor gerenciamento de vagas em unidades de internação, acurada fiscalização das medidas socioeducativas e saudável inserção dos menores infratores no mercado de trabalho e no retorno aos estudos.
“Assim, é possível concluir que, apesar de ter completado 30 anos, o ECA vem se adaptando às novas realidades, reinventando-se para, dentro da realidade brasileira, continuar protegendo, priorizando e privilegiando a criança e o adolescente, seja em sua matriz protetiva, seja em sua vertente socioeducativa”, concluiu.
O juiz Maurício Cleber Miglioranzi Santos, da comarca de Corumbá, aponta que o advento do ECA consolidou na sociedade a condição da criança/adolescente como pessoa em especial condição de desenvolvimento.
Para melhor expor seu ponto de vista, Maurício citou vários dados como a evolução na expectativa de vida (em 1989 era de 60 anos, atualmente é de 75,7 anos), a redução da taxa de mortalidade infantil (de 47,1 em 1990, quando muitas crianças morriam por doenças que hoje são facilmente evitáveis, como as infecciosas e as parasitárias, para 13,4 mortes a cada mil crianças), a redução do analfabetismo entre a faixa etária de 10 a 18 anos, que atingia 12,5% para 1,4%, e o fato de só haver água potável disponível para 77% da população, dos quais 49% no Nordeste.
“Assim, ao largo das críticas sobre a superproteção gerada, também vivemos o momento de reconhecer o já consagrado quem ama educa - ou seja, pais, mães e responsáveis devem educar com moderação, têm o direito de exigir obediência dos filhos e a realização de tarefas compatíveis com sua faixa etária, o que não significa chancela aos maus tratos, à exploração do trabalho ou mesmo à palmada. Por outro lado, surgiram novos desafios: obesidade infantil, exploração comercial e uso abusivo de internet, bem como o abuso sexual intrafamiliar, que embora histórico, começa a ser desvelado e rechaçado pela sociedade”, finalizou o juiz de Corumbá.