Mês de março tornou-se homenagem às mulheres
No mês de março, considerado o Mês das Mulheres, a Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul quer externar a todas as mulheres, principalmente as associadas, o quanto são importantes e essenciais. Sua força, sua coragem, sensibilidade e determinação são exemplos.
Por isso, a AMAMSUL propõe uma reflexão: diante de uma realidade completamente diferente em que as mulheres tornaram-se chefes de família, provedoras, profissionais de destaque e, ao mesmo tempo, continuam com a carga de responder pela formação familiar, educação dos filhos, cuidam da casa e de familiares idosos, entre outros, é possível afirmar que há algo a ser comemorado?
Para a juíza Camila de Melo Mattioli Pereira, que responde pela Diretoria da Mulher Magistrada, o dia da mulher deve ser comemorado diante dos avanços que as mulheres conquistaram ao longo das últimas décadas. “Contudo, ainda há muito o que conquistar e a tão almejada igualdade entre homens e mulheres está longe de ser alcançada”, disse ela.
Ela não acredita que a mulher juíza ganha destaque profissionalmente com mais facilidade nos dias atuais. “As mulheres juízas ganham destaque pelo seu mérito individual, assim como os homens. Na verdade, ainda existem desconfiança e desprestígio na atuação das mulheres dentro do Poder Judiciário. Tenho certeza que várias colegas já passaram por situações constrangedoras na atuação simplesmente por serem mulheres”, afirma Camila.
Na opinião da juíza Mariana Rezende Ferreira Yoshida, da Vara Cível de Rio Brilhante, se se considerar longa trajetória que trouxe as mulheres até os dias atuais, há sim o que comemorar. “Basta pensar que há cerca de 90 anos a mulher brasileira sequer tinha o direito de votar. Todavia, ainda há muito o que avançar, haja vista a permanência de inúmeras e importantes barreiras para o alcance da igualdade de gênero. Assim, 08 de março representa para mim um dia de luta”, garantiu.
Para Mariana, ser juíza significa a plena realização profissional e ela garante que é muito feliz na profissão que escolheu, embora saiba que isso é um privilégio, pois poucas mulheres têm a oportunidade, por se tratar de um espaço de poder predominantemente masculino, sobretudo nos degraus mais altos e nos cargos de gestão.
“Os estudos demonstram que, embora o número de mulheres que ingressam no Poder Judiciário seja em regra crescente desde a redemocratização, ainda temos dificuldades significativas para movimentar e crescer na carreira, daí a importância de numa data comemorativa como essa dedicarmos nossas atenções e energias para que discriminações como essa não se perpetuem”, afirmou.
A juíza Silvia Eliane Tedardi da Silva, da comarca de Sidrolândia, acredita que sempre que a mulher supera obstáculos, dificuldades diversas e se mantém firme no propósito de vencer, tem motivos para comemorar.
“Assim, penso em especial nestes últimos 12 meses (março/2020 a março 2021), em que, apesar de lamentáveis perdas, importantes conquistas aconteceram. E, nesse sentido, refiro-me à profissão de magistrada. A mulher magistrada de hoje ocupa com notoriedade os quadros funcionais, além do quantitativo, que antigamente era de forma majoritária ocupados por homens, passou a também a ocupar cargos diretivos. E se esse caminho hoje está sem volta é porque ontem, décadas passadas, existiram magistradas que vestiram a toga e se prontificaram ao bom combate: dizer não à desigualdade com competência e seriedade”, ponderou.
Outra juíza que acredita que há muito a comemorar no Dia Internacional da Mulher é Ana Carolina Farah Borges da Silva, da 1ª Vara de Família e Sucessões de Dourados. Para ela, apesar das grandes diferenças ainda existentes, do longo caminho que a mulher tem que percorrer em busca da igualdade de tratamento e de condições, os avanços foram enormes em todos os setores.
“Como juíza, com quase 20 anos de profissão, vejo e sinto na própria pele as grandes mudanças ocorridas, mesmo dentro de nossa instituição. Continuamos sendo minoria, mas hoje somos muitas mais do que quando ingressei na magistratura. Temos mais representatividade, mais espaço, mais voz. Temos uma mulher na direção do foro no Fórum de Campo Grande pela primeira vez. Temos um Comitê formado pra implantar políticas de incentivo à participação institucional feminina no Poder Judiciário do Estado de MS, com várias mulheres fortes e empoderadas nomeadas para sua composição, temos um grupo de whatsapp só com juízas, que conversam e se apoiam mutuamente não só em questões profissionais, mas também no âmbito pessoal e familiar”, argumentou.
Ana Carolina recorda que quando foi aprovada no concurso, em 2001, eram pouquíssimas as juízas no Estado e estas tinham que enfrentar praticamente sozinhas todos os problemas que, muitas vezes, tomavam maiores proporções pelo simples fato de serem mulheres.
“Não tínhamos esse apoio umas das outras, até mesmo pela distância, que hoje é reduzida pelas ferramentas tecnológicas de que dispomos. As novas gerações de juízas também vêm mais conscientes das questões femininas e mais preparadas para enfrentar o preconceito e as dificuldades de ser mulher em uma profissão que exige liderança, chefia e posicionamento firme, mas que pode ser lindamente beneficiada pela sensibilidade e multifuncionalidade feminina. O caminho ainda é longo, mas as conquistas são enormes, e as novas mulheres que ingressam na instituição nos mostram que a nossa luta por um mundo mais igualitário está valendo a pena”, concluiu a juíza.
Ao citar a primeira mulher diretora do Foro da Capital, Ana Carolina referiu-se à juíza Denize de Barros Dodero, que assumiu tal responsabilidade em fevereiro deste ano. Instalada em 1911, a comarca de Campo Grande completará, no dia 12 de maio, 110 anos de sua instalação e, pela primeira vez, tem uma mulher no comando.
Denize é a 31ª a ocupar a direção do Foro desde a implantação do Estado de Mato Grosso do Sul, em 1979. Antes dela, outros 30 juízes foram empossados na função de juiz diretor, alguns por dois anos, outros por até três anos consecutivos, ou ainda ocuparam o cargo em mais de uma ocasião, contudo, em nenhuma nomeação o comando foi designado a uma mulher.
Assim, na gestão 2021/2022, sob os cuidados da magistrada estará um quadro funcional de 50 juízes e juízas, 300 servidores, de 90 estagiários, 93 mirins, 79 terceirizados, cinco reeducandas e quatro colaboradores, totalizando 621 pessoas. Não se pode negar que a participação da mulher na força de trabalho destaca sempre a valorização das características femininas como competência, sensibilidade e visão ampla de situações que exigem a delicadeza para resolução de problemas.
A juíza Naria Cassiana Silva Barros, da 1ª Vara Cível de Paranaíba, é enfática quando questionada se há o que comemorar. “Claro que sim! Temos que comemorar nossas conquistas ao longo desses anos. Inúmeras foram as vitórias. As mulheres deixaram de ser reconhecida como o sexo frágil e vêm ganhando destaque no cenário nacional, ocupando lugares nunca antes exercidos pelo sexo feminino. Mas há um longo caminho pela frente, porque as marcas da desigualdade de gênero persistem dentro de todas as carreiras que impedem a ascensão hierárquica profissional das mulheres”, garante.
Então, como é ser juíza em uma época em que a mulher ganha destaque profissionalmente com mais facilidade nos dias atuais? “Exercer a judicatura nos dias atuais é muito mais desafiador, porque ficou constatado que damos conta do recado, que somos tão competentes quanto os homens, mesmo exercendo outros papéis essenciais fora do trabalho. Para ser uma boa juíza ou um bom juiz, independente do gênero, temos que ter amor à profissão e sempre procurar refletir qual será o impacto de nossas decisões sobre a vida dos jurisdicionados”, defende Naria.
“Integrar o Poder Judiciário no Brasil só foi permitido a uma mulher no ano de 1939, o que, em termos históricos, é recentíssimo. Hoje, cada uma de nós está deixando um legado. Estamos fazendo história e ainda não temos a exata dimensão do que isto significa. Cada mulher que ocupa um espaço de poder traz consigo uma mensagem clara: a de que qualquer mulher tem capacidade de fazer o que quiser. Isso, além de simbólico, é transformador”.
O ponto de vista é da juíza Thielly Dias de Alencar Pithan, da comarca de Amambai. Ela aponta que as mulheres estão construindo uma nova realidade, um futuro de igualdade de direitos e de condições entre homens e mulheres.
De acordo com Thielly, se no século passado, a data comemorativa fora fixada no calendário motivada pela luta por melhores condições de trabalho, hoje a pauta de reivindicações feminina está mais exigente e refinada. Não queremos apenas melhores condições de trabalho, queremos melhores condições de vida... e respeito.
Os altíssimos índices de violência contra a mulher mostram um cenário desolador”, continua ela.
A magistrada citou ainda o Atlas da Violência 2020, do IPEA, no ano de 2018, que apontou que a cada duas horas, uma mulher foi assassinada no Brasil. Entretanto, a juíza lembra que o mundo evoluiu e as formas de discriminação e de violência também - ficaram mais sutis e refinadas.
“Uma mulher em uma posição de destaque, como a minha, por exemplo, dificilmente será vítima de violência física e letal, como a que tragicamente vitimou a colega do Rio de Janeiro, Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, a quem eu não poderia deixar de fazer memória e homenagem. Nossas violações rotineiras são mais sofisticadas e ocorrem quando, por exemplo, nossa opinião é submetida ao crivo masculino para ser confirmada ou quando nossa fala é interrompida ou sobreposta por uma voz masculina mais austera”, acrescenta.
Para Thielly, muitos ainda confundem sensibilidade com fraqueza e atribuem à boa educação de uma mulher uma fragilidade que não é real. “Enfim, temos muito a comemorar porque foram muitas conquistas ao longo dos anos. Como disse a poetiza Rupi Kaur, em seu poema “Legado”, eu ‘me levanto sobre o sacrifício de um milhão de mulheres que vieram antes’. Mas, ainda há muito a fazer. E o que eu, como mulher e juíza espero do futuro? Faço minhas as palavras de Clarice Lispector para responder: ‘liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome’”.