Magistratura de MS comemora avanços no Dia Nacional da Adoção
O dia 25 de maio é o Dia Nacional da Adoção, data comemorada pela primeira vez, em 1996, no Encontro Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Enapa), mas instituída somente em 2002, por meio da Lei nº 10.447. A partir de então sua mensagem passou a ganhar a devida importância. Apesar dos esforços dos magistrados e da rede de apoio, o instituto da adoção ainda é visto com certa reserva no Brasil e prova disso são os números do Sistema Nacional de Adoção (SNA).
Dados do SNA mostram que em Mato Grosso do Sul existem 242 pretendentes habilitados para adoção e 653 crianças e adolescentes em instituições de acolhimento e sob os cuidados de famílias acolhedoras, porém somente 83 estão aptas para adoção. Se o número de pretendentes é o triplo do número de crianças prontas para fazer parte de uma família, por que ainda estão sob a tutela do Estado?
Para o presidente da AMAMSUL, Giuliano Máximo Martins, a mudança nesse cenário passa por dois pontos principais: o primeiro é que a adoção é um ato de amor, de entrega, com base na legislação, e a segunda é que as pessoas que desejam adotar podem procurar o Poder Judiciário, independentemente de renda, faixa etária e gênero.
“Enquanto as pessoas não se conscientizarem disso, não haverá equilíbrio entre o número de pretendentes e adotados. Muitos esforços são empenhados todos os dias pela magistratura para possibilitar que crianças e adolescentes tenham a oportunidade de uma nova família, que, aliás, é um direito garantido pela Constituição”, esclareceu Giuliano.
A juíza Kelly Gaspar Duarte Neves, diretora de Interior da entidade associativa, é outra a reconhecer que infelizmente a escolha dos pretendentes por crianças do sexo feminino, abaixo de dois anos e sem nenhuma deficiência atrapalha e muito a formação de novas famílias pela adoção.
“Nas instituições de acolhimento para adoção ainda existem muitas crianças acima dos três anos, não brancas, com alguma deficiência, grupo de irmãos, e os pretendentes têm expectativas diferentes, o que obriga a permanência de crianças e adolescentes nesses acolhimentos, onde muitos completam a maioridade à espera de uma família”, completou.
O juiz Maurício Cleber Miglioranzi Santos, da comarca de Corumbá, que está em busca de uma família para adoção e/ou acolhimento uma bebê de quase dois meses, órfã, com gravíssimos problemas de saúde e internada na CTI de um hospital na Capital, é categórico em afirmar que a conta não fecha porque as condicionantes elencadas pelos pretendentes acabam retardando o processo de adoção e até alongando as expectativas dos adotantes.
“Em 13 anos de magistratura, posso afirmar que o brasileiro evoluiu muito nos perfis. Quando ingressei na carreira, crianças de seis anos eram praticamente inadotáveis no cenário brasileiro, havendo muita demanda para adoção internacional. Hoje essa questão é muito restrita porque temos desmistificado muito as adoções tardias e necessárias de crianças e adolescentes e também portadores de alguma enfermidade”, garantiu.
A opção por adoção de um único irmão infelizmente ainda é uma das mais frequentes condicionantes, quando a adoção refere-se a grupo de irmãos. Só em Mato Grosso do Sul, das 83 crianças e adolescentes aptas para adoção, o número dos que aguardam para adoção é preocupante: 15 crianças têm um irmão; oito têm dois irmãos, sete têm três irmãos e outros sete têm mais de três irmãos. Somente 46 crianças e adolescentes não têm irmãos.
Outra questão angustiante para quem está em instituições de acolhimento: a faixa etária. Dos que estão aptos para doção, somente seis têm até dois anos e seis estão entre 2 a 4 anos. Dos 83, 19 são maiores de 16 anos; são 16 na faixa de 14 a 16 anos; 11 estão entre os 10 e 12 anos, embora existam acolhidos de 4 a 6 anos, de 8 a 10 anos e adolescentes entre 12 e 14 anos.
A juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso de Campo Grande, concorda que o perfil de pretendentes mudou muito nos últimos anos e acredita que essa mudança é resultado do trabalho realizado nos cursos de preparação à adoção, que leva os participantes a refletir sobre os filhos que idealizados e as crianças reais que aguardam uma família.
“Observamos que as resistências em relação a famílias multirraciais diminuíram, pois os pretendentes não se sentem mais envergonhados por permitir que a aparência de um filho revele que este não chegou por meio biológico. Não é uma vergonha ter um filho por adoção e o desaparecimento desse mito prestigiou as adoções interrraciais”, esclareceu a juíza.
Katy apontou ainda que as pessoas estão mais dispostas para adoção de filhos com mais idade dos que os recém-nascidos idealizados. Segundo ela, as experiências exitosas têm demonstrado para os pretendentes que é perfeitamente possível formar uma família e se realizar como pais com crianças maiores.
"Os desafios enfrentados hoje são relacionados a condição financeira porque as crianças e adolescentes que aguardam a adoção têm problemas de saúde ou necessidades especiais, demandando investimento grande de tempo e de recursos para que recebam o atendimento que necessitam. Isso tem sido um entrave para sua adoção”, complementou.
Ao final, Katy falou sobre questão do grupo de irmãos, situação de difícil aceitação. Ela lembra que, muitas vezes, crianças chegam para o serviço de acolhimento acompanhadas de três, quatro irmão - em MS já houve caso de oito irmãos acolhidos, e destaca que nem todas as famílias que possuem condições financeira de amparar tantas crianças ao mesmo tempo.
“Tentamos contornar essa questão encontrando famílias que aceitem adoções compartilhadas: quando o grupo de irmãos é separado, com autorização das crianças, e as famílias que as adotam assumem o compromisso de manter a convivência por toda a vida. São muitos esforços empenhados na área da adoção e temos muito a celebrar nesse dia 25 de maio, porque o Brasil tem, cada vez mais, diminuído os preconceitos em relação à adoção, ampliado o perfil para recepcionar crianças que aguarda uma família e o mais importante: a grande maioria das adoções pelo SNA, com crianças e pretendentes previamente preparados, tem sido um sucesso, causa de realização pessoal e felicidade de muitas famílias”, concluiu.
Para a Desa Elizabete Anache, que responde pela Coordenadoria da Infância e Juventude de MS (CIJ), a data deve sim ser comemorada. A magistrada citou a campanha “Qualquer Maneira de Amor Vale Amar”, desenvolvida por meio de publicações diárias nas redes sociais do Poder Judiciário de imagens de crianças e adolescentes aptos a integrar uma família pela adoção.
“Desfocamos o rosto, mas ainda assim a foto permite chamar a atenção da sociedade para essa realidade tão triste de estar à espera de uma família, que pode não chegar. Cito ainda o curso de preparação à adoção Nasce uma Família, uma continuação de projeto iniciado anteriormente, em parceria com alguns fotógrafos e que provocou debates e reflexões em todas as camadas da sociedade sobre o direito à convivência familiar, com uma exposição de fotografias em que se registrou o cotidiano de famílias que tiveram suas vidas transformadas pela adoção. Essa ação deu visibilidade às nossas crianças e adolescentes que estão à espera de uma família. Isso significa dizer que rompemos o distanciamento do judiciário com a sociedade civil e isso é muito bom porque a infância tem prioridade absoluta”, garantiu a desembargadora.