Livro de associado trata da interpretação da sentença civil
Recentemente, o desembargador aposentado Jorge Eustácio da Silva Frias disponibilizou para a comunidade jurídica de todo o país sua obra ‘A Interpretação da Sentença Cível - de Acordo Com o Novo Código de Processo Civil’, que trata da interpretação da sentença civil, entendida como pronunciamento jurisdicional, de órgão não penal, de primeiro ou de grau superior, definitivo ou ainda sujeito a recursos, que deve oferecer solução adequada para uma demanda submetida a julgamento.
A obra procura realçar que, conquanto os requisitos para a elaboração da sentença sejam os mesmos para a confecção de acórdão, a forma de realização de um julgamento por órgão monocrático é diversa daquela desenvolvida por órgão colegiado, exigindo que o intérprete tenha presentes as peculiaridades de cada um desses pronunciamentos jurisdicionais em sua atividade interpretativa.
Esse foi o primeiro livro escrito pelo julgador, embora ele tenha participado de obras coletivas e tenha publicado diversos artigos, especialmente na área jurídica. Questionado sobre como surgiu a obra, o Des. Frias explicou que a escolha do tema surgiu a partir de recurso que, como membro do Tribunal de Justiça de MS, teve que julgar, como relator, em um caso de liquidação de sentença.
“Havia uma sentença transitada em julgado que definia o direito do autor. Este, baseado nela, indicou a extensão de seu direito e, quando ouvida, a outra parte mostrou outro entendimento sobre aquela sentença liquidanda. E tudo indicava que ambas as partes agiam de boa-fé porque a sentença permitia esses dois entendimentos diferentes, não porque fosse obscura, mas pela forma como fora redigida (certamente considerando pressupostos pelos contendores alguns elementos do processo)”, explicou.
Segundo o magistrado, um segundo juiz julgou a liquidação e apresentou um terceiro entendimento sobre aquela sentença, que também não era absurdo, o que deu ensejo a que as duas partes recorressem. Ao avaliar a sentença recorrida e os dois recursos, o desembargador entendeu que a sentença tinha sido interpretada tão diversamente pelas partes e pelo novo juiz, e tinha um sentido que deveria ser interpretado para ficar claro qual era de fato o direito por ela reconhecido.
“Era preciso aproveitar aquele processo e, sem ofensa à coisa julgada, cabia externar o que tinha ficado decidido. O juiz da liquidação era diferente do juiz que havia proferido a sentença liquidanda, mas, ainda que fosse o mesmo juiz naquelas duas fases (condenação e liquidação), o problema interpretativo poderia ter surgido, porque a sentença que se tornara título executivo, sem ser contraditória, permitia mesmo interpretações diferentes”, disse.
Foi então que, por perceber que não havia literatura nacional sobre o tema, a partir daquele processo ficou reflexivo, o julgador foi anotando alguma coisa a ele relacionado e coletando material por muitos anos. Quando se aposentou na magistratura, o desembargador passou a dedicar-se apenas ao magistério (antes ele fazia as duas coisas, com ênfase à judicatura) e pôde dedicar-se mais ao estudo.
“Quando pude pesquisar o assunto com mais profundidade, foi possível visitar a literatura estrangeira e muitas decisões que abordavam a questão de passagem. Muitos anos se passaram a partir daquele processo e, enfim, surgiu esse livro - fruto de muitos anos de meditação e de não poucos de pesquisa”, acrescentou o autor.
Como uma obra dessa importância não é conhecida do público? Para explicar tal fato, Des. Frias lembra que o livro foi publicado em 2016, pela Editora Juruá. Na época, seu lançamento estava programado para ser realizado no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, contudo, por contratempos com a editora, o evento precisou ser cancelado.
Novas datas foram agendadas, mas acabou não dando certo. Como o propósito do autor nunca foi o de vender o livro, apenas de compartilhar suas pesquisas, ele concordou com um lançamento modesto em São Paulo, em setembro de 2016, com pouca divulgação.
Como a Editora não imprime muitos volumes para os distribuir nas livrarias, só quem consulta o catálogo fica sabendo da existência do livro do desembargador e, eventualmente, de seu conteúdo. Nos dias atuais, com tanta evolução tecnológica, poucos são aqueles que examinam catálogos de editoras para saber o que publicam, por isso, a maioria dos leitores desconhece a referida obra e o tema de que trata.
“Diferente é quando a obra está disponível em livrarias, onde é possível o visitante folheá-la, ler suas orelhas, ver seu índice e interessar-se pelo assunto. Recentemente, a pedido da Editora, encaminhei um lembrete sobre a publicação dando a conhecer aos interessados a existência desse estudo que, ao que me parece, pode ter grande utilidade para os operadores do Direito, pois, o livro é o primeiro no país e, ao que eu saiba, o único em língua portuguesa, a tratar da interpretação da sentença”, afirmou o magistrado.
A nova divulgação da obra reforça-se por ser importante que a classe jurídica tenha conhecimento sobre a existência desse estudo: seja para apresentar críticas a ele, seja para orientar alguém que se defronte com a necessidade de interpretar uma sentença. Assim, com o propósito de divulgar a publicação, a Editora Juruá coloca à disposição a obra “A Interpretação da Sentença Cível - de Acordo Com o Novo Código de Processo Civil”, cuja aquisição pode ser feita em algumas livrarias ou pelo site www.jurua.com.br.
Saiba mais – De acordo com o Des. Frias, o assunto é muito mais corriqueiro do que pode parecer à primeira vista. “Não apenas sentenças obscuras devem ser interpretadas: muitas vezes, uma sentença bem escrita, quando vai ser executada ou cumprida, pode revelar um sentido que antes não havia sido pensado. E esse sentido “novo” pode surgir no ambiente da maior boa-fé”.
Ele explica que, ao dimensionar o direito nela reconhecido, a parte pode apresentar (de boa-fé, repita-se) algo que a outra não tinha pensado, seja em extensão, seja em matéria de conteúdo mesmo. Assim, terá o juiz, então, que decidir o sentido exato dessa sentença, que pode ser inclusive um sentido diferente do que entenderam essas duas partes.
Para recorrer de uma sentença contrária, explicou o magistrado, a parte precisa interpretar aquilo que ficou decidido, assim como, para decidir o recurso, o Tribunal terá que ter em conta o sentido de tal decisão. Ainda, para um precedente (chamado impropriamente de “jurisprudência”) ser aplicado, ou não, em outro processo, é preciso que seu sentido seja avaliado, interpretado, a fim de se verificar se o caso guarda ou não relação com a demanda em causa. “Inúmeras são, pois, as situações em que é preciso interpretar no processo”.
Quando os processualistas tratavam da interpretação da sentença, destaca o autor, reportavam-se, sempre de passagem, sem muito esclarecimento, às regras sobre interpretação da lei ou interpretação dos negócios jurídicos (contratos) como hábeis a resolver os problemas do processo; quando é certo que não dá para transplantar essas regras, que tratam de outro assunto, para compreender o sentido de uma decisão.
“Claro que as regras sobre interpretação de textos se aplicam à compreensão da sentença, já que esta é ato de comunicação. Mas isto não é tudo, senão não seriam necessárias regras específicas para interpretação da lei ou do contrato, entretanto, a sentença é diferente da lei e do contrato: ela é um comando para as partes do processo diante de uma contenda determinada, ao passo que a lei é um comando genérico, e o contrato é um acordo entre sujeitos que têm interesses convergentes”.
No entender do desembargador, quando sentencia o juiz ou o tribunal, decide uma lide, que tem os contornos estabelecidos pela petição inicial e a delimitação da defesa apresentada pela parte requerida. Além disso, quando sentencia, quando julga, o juiz baseia-se nos fatos do processo que podem ter diferentes versões e, supostamente, funda-se em uma regra jurídica que depende de interpretação.
“Assim, a decisão não é (como se pensava antes) um puro silogismo, mas um ato complexo de argumentação que, para ser compreendido, depende de regras próprias. Essas regras especiais é que foram desenvolvidas no livro, onde são apresentados diversos precedentes, especialmente dos Tribunais Superiores, que testam a validade dessas regras”.
Des. Jorge Frias informou que não tem intenção de escrever nada na área criminal por não ser seu campo de especialidade, mas adiantou que tem ainda alguns projetos na área processual que animam suas pesquisas, mas ainda não suficientemente amadurecidos.