Administrando além do gabinete
Um juiz pró-ativo, que considera as necessidades da comunidade onde atua. Um juiz que trabalha além do espaço
físico do gabinete, que extrapola em suas funções por agir com humanidade. Assim, pode ser visto o juiz Anderson Royer, titular da 1ª Vara Criminal, da comarca de Corumbá.
É resultado do esforço deste juiz o fato de os presos terem curso de informática e aulas de alfabetização. Mas quando será que isto começou? De acordo com Royer, as aulas de informática começaram em 2008, por iniciativa do Conselho da Comunidade, do Judiciário, do Município e do próprio estabelecimento penal.
As aulas de ensino fundamental inicialmente eram até a 4ª série e surgiram antes das instruções de informática. Contudo, em 2009, as aulas passaram a ser ministradas até o 9º ano do ensino fundamental. "A remição de pena também pelo estudo (três dias de estudo desconta um de pena) contribuiu para o aumento da procura pelas aulas", explica o juiz lembrando que, nos próximos anos, a meta é disponibilizar o ensino médio e o nível superior a distância. No estabelecimento penal feminino da comarca há uma detenta do regime fechado que cursa ensino superior a distância, tendo permissão de saída com escolta a cada 15 dias para as orientações na própria unidade de ensino.
Anderson esclarece que a intenção das aulas para internos já existia antes de ele assumir a vara – ele apenas fomentou o projeto para a administração carcerária. "A ideia de repressão é natural nas unidades penais e tentamos plantar a semente da compreensão. 90% da massa carcerária representa pessoas excluídas socialmente, sem noção de cultura e de conhecimento. O ócio dos internos é um aspecto negativo para a mudança desse quadro. Então, começamos com pequenas ideias para primeiro convencer a administração carcerária de que esta proposta seria útil para todos", disse.
Foram colocadas mesas de pingue-pongue nos solários, o que contribuiu para o desporto dos internos diminuindo a tensão interna, resultando ainda em sensação de segurança para os agentes carcerários. Os cultos religiosos voltaram a ser praticados. A marcenaria voltou a funcionar e recomeçaram os cursos regulares de padeiro.
"Quando vimos, havia uma empresária do setor de confecções com sua empresa dentro do estabelecimento, ensinando e empregando internos. Ou seja, a própria administração carcerária acreditou na ideia inicialmente semeada e agora todos estão colhendo os frutos. Há, inclusive, sessões periódicas de cinema para os internos, com a escolha de filmes que trabalham o amor, a ética, a amizade - enfim, sentimentos poucos explorados na exclusão social. Os próprios internos passaram a sugerir projetos. Hoje temos tratamento contra dependência química dentro do estabelecimento penal", complementa.
Extrapolando – É inegável que o juiz fez mais que o previsto para suas funções. Questionado se não teve receio de ser criticado por ser humano, por pensar no próximo, ele simplesmente respondeu: "Não. A humanidade desde sempre está em evolução e temos que colaborar com ela, pelo simples fato de sermos seres humanos. Se há críticas, prefiro pensar nelas como incentivo para humanizarmos mais".
Anderson Royer acredita que os reeducandos terão melhores chances de reinserção na sociedade em razão das ações, porque estas minimizam o impacto da exclusão social. Na comarca existem 450 presos no regime fechado masculino e 80 no semiaberto. No regime fechado feminino são 140 internas e 25 no semiaberto.
Nos cursos intramuros, prioriza-se os internos do regime fechado, já que os do regime semiaberto podem cursar e trabalhar fora do estabelecimento. O regime aberto nem exige autorização para isso. O juiz ressalta que consciência da administração carcerária, que tentou difundir há dois anos, diminuiu a tensão na massa carcerária. Atualmente vários internos trabalham ajudando a própria administração nesse intento.
Prática - Quantas pessoas são atendidas nestes cursos e como são selecionadas? Royer explica que, no regime fechado, há cerca de 30 vagas no presídio masculino e 30 no feminino para ensino fundamental.
No regime semiaberto, todos que comprovam matrícula conseguem autorização para sair do estabelecimento e estudar, entretanto, a cada 60 dias devem comprovar a frequência. No fechado feminino há uma interna cursando ensino superior a distância - projeto que será ampliado por iniciativa da diretora da unidade.
Na marcenaria são seis internos trabalhando. Na serralheria, um ou dois. Na padaria há um detento fixo que, inclusive, ministra cursos para outros internos a cada trimestre. Nas salas de informática existem 15 internos. No corte e costura (confecção) são cinco. Na biblioteca, há um interno. Na cozinha do masculino 25 internos trabalharam e, no feminino, existem de 10 a 15.
"Foi inaugurada a unidade materno-infantil no estabelecimento feminino, onde uma ou duas internas também trabalham. Além disso, há os setores de limpeza e capinação que também permitem o trabalho. Há 300 vagas para o trabalho no regime fechado masculino, incluindo esses ofícios e até artesanato, sendo algumas vagas remuneradas. No fechado feminino há 90 vagas. A seleção para o curso e trabalho tem por base sempre o bom comportamento", acrescentou, apontando que os números citados por ele são resultantes das inspeções e podem sofrer alterações.
Mais – Mesmo com essas atividades, Anderson Royer não está satisfeito. Ele quer mais e prepara novos projetos. Ele conta que há mais de um ano tenciona implementar no regime fechado masculino uma fábrica de construção de ciblocos para a construção civil.
"Queremos também ampliar o projeto de curso superior a distância tanto para o feminino quanto masculino. Desejamos aproveitar a produção da confecção no regime fechado para uniformizar os internos, mas, para isso, primeiro precisamos implantar uma lavanderia industrial (custo de R$ 140 mil). Com isso, diminuiremos a insalubridade das celas e solários onde as roupas são lavadas e secadas, criando um ambiente úmido e prejudicial à saúde. Quando tivermos a lavanderia industrial, todo interno que der entrada no estabelecimento terá sua roupa recolhida, lavada e guardada em um local apropriado para ser-lhe devolvida quando sair do estabelecimento. Na entrada, deixará sua roupa e receberá um uniforme, que todo dia será recolhido para ser lavado e seco em local apropriado, recebendo ele nova muda. Os solários e celas estarão sempre secos, melhorando a salubridade do ambiente, além de alguns internos estarem aprendendo um novo ofício", conta.
Qual é o sentimento que o assola o magistrado quando vê suas ideias em prática? Com simplicidade, ele confessa: é satisfação. "Mas o importante é ver a ideia sendo comprada pelos outros parceiros, pois sozinho seria impossível colocá-las em prática".
Quando fala em parcerias, o juiz refere-se a diretores e agentes carcerários dos estabelecimentos, exímios colaboradores, do município de Corumbá, por meio de seus órgãos, como o CAPS-ad, as Secretarias Municipais de Educação e de Saúde, do Conselho da Comunidade, dentre outros.
Ao concluir, o juiz pondera que a questão prisional é reflexo da criminal e tudo é um problema social, tendo por causa primeira (na maioria dos casos) a exclusão social. Ele acredita que só com a redução dessa exclusão será possível melhorar esse quadro.
"A prevenção com a educação eficaz no Brasil contribuirá para isso, mas para os já marginalizados temos que fazer com que a pena seja realmente uma oportunidade para inclusão na sociedade, adquirindo valores como educação, cultura, trabalho. A exclusão social gera um mundo com outros valores. Por exemplo, seria o mesmo que trancar uma criança num quarto sem contato com o mundo exterior e soltá-la quando adulta. Os valores serão completamente diferentes daquela criança que cresceu em um mundo de bons valores, educação, cultura e, agora, trabalho. A repressão só é útil até a pena, a partir daí esta tem que servir como fator para tirar o apenado desse quarto escuro, que até então ele viveu".